Um singela publicação do secretário de Governo, Fernando Alves (DEM), listando o patrimônio dos candidatos locaisem seu perfil no Facebook, caiu como uma bomba na comunidade uruguaianense. Mais do que a surpresa com a notícia de que temos um dos candidatos mais ricos das atuais eleições no Rio Grande do Sul, o impacto maior vem da revelação do nome do felizardo sócio do Clube do Milhão da Política Gaúcha: José Francisco Sanchotene Felice, ex-presidente do Instituto Brasileiro da Reforma Agrária – IBRA, ex-conselheiro Federal de Educação (no governo Collor de Mello), ex-deputado Estadual e ex-prefeito de Uruguaiana.
A fonte foi o site www.tse.jus.br, acessível a qualquer cidadão, onde é possível conhecer o patrimônio de cada um dos candidatos às próximas eleições, Brasil afora. Desde políticos profissionais, que já nos anos 60 debutavam no mundo encantado da política, àqueles que dizem odiá-la mas estão em campanha, 24 horas por dia, para se tornar… político. Afinal, o que tem essa atividade de tão atraente? Ideal de servir, poder, dinheiro?
Na vida pública, sabe-se de gente que empobreceu. E não são tão raros os casos; o falecido governador Sinval Guazzelli (PMDB) é um exemplo, mas há mais. Outros provêm de famílias sabidamente tão abastadas que se torna impossível saber se a fortuna atual foi turbinada por uma vida inteira assinando grandes (e suspeitos) contratos, ou se “é tudo herança da mamãe”, como afirma Paulo Maluf (PP), que já foi, várias vezes, prefeito, deputado Federal e governador de São Paulo.
Mas há ainda um terceiro caso, o do politico cujo marketing pessoal criou tantas lendas a respeito da sua decantada origem humilde que, embora milionário, no imaginário popular, ele pertence, no máximo, à classe média - aquela categoria social onde se encontram os chamados remediados, nem tão pobres a ponto de passar privações, nem tão ricos a ponto de terem filhos play boys.
Daí o espanto geral com a revelação do patrimônio pessoal do professor aposentado Sanchotene Felice (PSDB), candidato à Assembleia Legislativa: R$ 3.681.751,43 (isto mesmo: três milhões, seiscentos e oitenta e um mil, setecentos e cinquenta e um reais e quarenta e três centavos). Ou seja, mais que os outros 10 candidatos locais juntos. A deputada Estadual Elisabete Brettas Felice (PSDB), sua esposa, candidata à Câmara Federal, declarou à Justiça Eleitoral possuir bens na ordem de R$ 437.419,18. Portanto, o casal Felice tem mais de quatro milhões de reais.
Desde a última quinta-feira, nossa reportagem conversou com dezenas de uruguaianenses surpresos com a fortuna dos Felice. Houve alguns questionamentos acerca da baixa avaliação dada aos bens, como uma casa próxima ao supermercado Rispoli, avaliada em R$ 9.300,00, e um imóvel na Rua Sete de Setembro, que o candidato avaliou em R$ 13.879,44. Mas o espanto maior decorre mesmo é do conhecimento que todos pensavam ter adquirido sobre a história de quem, ao longo das mais de 300 edições do programa radiofônico Uruguaiana Vencerá, forjou sua mitologia pessoal. O ex-prefeito costumava contar, por exemplo, que, antes da construção da Ponte Internacional (inaugurada em 1947), para ajudar na subsistência do lar, sua mãe, Marília Sanchotene Felice, além de trazer laranja de Itaqui para revender em Uruguaiana, ia de balsa comprar farinha de trigo na vizinha Paso de Los Libres. Contava, também, das dificuldades para se manter em Porto Alegre após célebre despedida familiar “na gare da Viação Férrea”, aos 17 anos, e que, na infância, de tão pobre, “não podia comprar um picolé”. E, frequentemente, expunha aos ouvintes as agruras familiares vividas, junto com Elisabete, em “mais de 50 anos de vida pública”. Em geral, dificuldades financeiras do casal para educação dos três filhos ante o que ele chamava de constante “vocação para servir o povo” que levou-o a aceitar “desafios” (leia-se: cargos) nos mais diversos governos desde a década de 60, e, inclusive, a sofrer “atentados” contra sua vida. Aliás, sabe-se que não foi com o casamento que se tornou um milionário, afinal, em 2010, quando anunciou que Elisabete concorreria à Assembleia Legislativa, sentenciou: - A candidata será aquela que, quando criança, não tinha dinheiro para comprar uma bicicleta.
Todas essas narrativas, aliadas a outras, como a declaração de que Norberto Odebrecht, fundador do grupo multinacional com esse sobrenome, teria manifestado desejo de conhecê-lo quando soube que uma de suas empresas, a Foz de Uruguaiana (atual Odebrecht Ambiental), lisamente vencera aqui a licitação para a concessão da água (contrato de R$ 1 bilhão, por 30 anos), ou a de que nomearia a própria esposa secretária de Ação Social, mas que Elisabete doaria “todo o seu salário para entidades carentes”, criaram a imagem de um político de classe média, austero, corajoso e, sobretudo, desapegado de bens materiais.
Parte dessa imagem começou a desfazer-se na última quinta-feira, 25. Quando voltar a ocupar os microfones de rádio, o ex-prefeito terá duas alternativas: ou confessa que herdou uma fortuna, ou explica o segredo do seu sucesso financeiro.
Ouvido por nossa reportagem, o secretário Fernando Alves, foi breve: - Nunca vi um professor tão rico.
Patrimônio dos candidatos locais não supera a fortuna dos Felice
O ex-prefeito José Francisco Sanchotene Felice (PSDB) é mais rico que todos os candidatos locais juntos. Tem, por exemplo, 15 vezes mais patrimônio que o deputado Estadual Frederico Antunes (PP), isso que o líder progressista é réu na Justiça Federal em processo de improbidade administrativa por fraude de R$ 40 milhões no Detran gaúcho.
Sanchotene Felice também tem mais patrimônio que os principais candidatos ao governo do Estado - o governador petista Tarso Genro, que já foi deputado Federal, prefeito de Porto Alegre e ministro da Educação, tem R$ 2.731.057,40; José Ivo Sartori (PMDB), cinco vezes deputado Estadual e Federal e duas vezes prefeito de Caxias do Sul, tem R$ 1.138.060,01; por fim, a senadora Ana Amélia Lemos (PP), novata na política mas que exerceu, por 20 anos, cargo de direção no grupo RBS, juntou em toda sua vida um patrimônio que não passa de R$ 2.250.086,69. Até mesmo Pedro Simon (PMDB), candidato ao quinto mandato no Senado Federal aos 85 anos de idade, acumulou em 60 anos de vida pública apenas R$ 348.239,48, menos de 10% do que o uruguaianense amealhou.
Clemente Corrêa – PT zero
Claudiomiro Menna Barreto – PR zero
Marcelo Lemos – PDT R$ 10.000,00
Mari Godoy – PMDB R$ 15.000,00
Ronnie Mello – PP R$ 22.478,30
Márcia Pedrazzi – PTB R$ 78.185,84
Paulo Homero – PMDB R$ 250.000,00
Newton Gomes – PMDB R$ 379.905,72
Frederico Antunes – PP R$ 246.412,76
OUTROS CANDIDATOS R$ 1.001.982,62
Elisabete Felice – PSDB R$ 437.419,18
Sanchotene Felice – PSDB R$ 3.681.751,43
FELICES R$ 4.119.170,61