Talvez a capivara perdida e depois capturada perto do Supremo Tribunal Federal tenha sido um sinal para as Excelências ali dentro, sede do Poder mais opaco da República.
Desde a volta do país à democracia, a transparência foi avançando. Hoje, quase tudo se sabe sobre deputados e senadores. De passagens aéreas a salários e vantagens obtidas no dia a dia. No Poder Executivo, o Portal da Transparência mostra uma vasta lista de despesas de cada órgão público.
O mesmo não se pode afirmar do Poder Judiciário. Nesta semana, as coisas pioraram. O presidente do STF, Cezar Peluso, limitou o acesso - já pequeno - a processos disciplinares existentes contra seus pares.
Por um curto período foi possível conhecer as iniciais dos nomes de juízes processados. Agora, eliminou-se essa brecha. Houve uma justificativa legal, é claro. Um artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional determina que "o processo e o julgamento das representações e reclamações [contra juízes] serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado".
Na categoria de iniquidade legal, esse artigo concorre como um dos mais indignos. A lei dos juízes está para ser reformada há anos, mas o Poder Judiciário não se move. O próprio Peluso, ao assumir, comprometeu-se a tratar do tema com vigor. Até agora, nada.
Qualquer cidadão em litígio na Justiça tem exposta a sua "capivara", jargão policial para folha corrida. Deputados, senadores e ministros são escrutinados todos os dias, com suas fotos e declarações publicadas na mídia.
A proteção indevida que os juízes se autoconcedem não serve só para proteger os incompetentes e os corruptos.
Quando essa minoria fica escondida, todos têm a imagem prejudicada. Até a capivara que apareceu na terça-feira no STF sabe disso.
* Repórter especial da Folha de S. Paulo em Brasília. Foi editor de Economia, correspondente em Nova York, Washington e Tóquio. Recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo em 1997 e, em 2002, o "Esso de Melhor Contribuição à Imprensa".
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Fonte: www.espacovital.com.br