sábado, 25 de maio de 2013

Inocência estuprada


Por José Carlos Sturza de Moraes

É lugar comum no Brasil, inclusive nos Tribunais, que tem na Justiça antes um ofício do que uma conduta ética, a condenação de vítimas como se fossem algozes. Parte-se do pressuposto que a vitimação é culpa de quem a sofreu. Como no senso comum: “se aconteceu, alguma coisa fez para provocar”.
Três meninas de 12 foram pagas para serviços sexuais de um adulto. No julgamento do caso no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, o adulto-réu foi absolvido, como nos julgamentos em tribunais anteriores. No argumento da defesa, acatado pela segunda mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro, dissesse que as garotas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”. Isso: 12 anos e garotas. Se dedicavam a isso há muito tempo. Com doze, dedicavam-se há muito tempo. Desde os 7, 5 anos? Uma normalidade? Algo presumivelmente comum e tranquilo?
De agora em diante, no início desta terceira década do século 21, estamos pacificados pela justiça! Crianças que tenham de se vender, por qualquer motivo, para práticas sexuais de adultos são garotas ou garotos de programa. Se existe paga e não há violência física (também argumento acatado no STJ) não há mais crime. Revoguem-se os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na área de proteção à criança e dos direitos humanos! Suprimam-se do Estatuto da Criança e do Adolescente todas as referências à proteção especial e revoguem-se todos os Planos Nacionais, Estaduais e Municipais de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes!
Que pacificação é essa? Que decisões são essas? Que normalização social é essa que não preserva nem as crianças, que permite adultos que querem fazer sexo com crianças o façam, que – em última instância – acaba por instituir a legalidade da pedofilia no Brasil?
Parafraseando o professor Paulo Freire, “O mundo não é. O mundo está sendo” e, portanto, temos que interferir nessa realidade. A Secretaria de Direitos Humanos, outros órgãos e entidades civis, estão se pronunciando, mas também cabe a cada cidadão um posicionamento. Uma reflexão ante essa realidade de aparente banalização do mal, da violência social e institucional de um Estado que historicamente tem menosprezado o direito à dignidade de quem não faz parte de algumas cortes.
Para a Copa do Mundo, flexibilizamos a bebida nos estádios e outros mimos para a FIFA, agora só faltam os cartazes do Brasil abrindo-se para o turismo sexual infanto-juvenil, só advertindo o turista: “Procure saber que a criança já está ‘na vida’ há bastante tempo...”. Notem: ‘flexibilizamos’ inclui-nos a todos/as! Pois, recorrendo a um dito popular, “quem cala, consente”!

Publicado no Jornal Zero Hora, em 3/4/2012.

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