O processo principal está em fase de recurso no TJ. Os quatro réus lutam para não ir a júri popular
Gabriela Barcellos
Quatro anos depois da tragédia que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas, na Boate Kiss, em Santa Maria, os dois donos da casa noturna e dois dos músicos integrantes da banda Gurizada Fandangueira seguem lutando judicialmente para não serem julgados pelo Tribunal do Júri. No ano passado, o juiz de primeiro grau, Ulysses Fonseca Louzada, expediu a sentença de pronúncia dos quatro homens, os mandando a julgamento pelo júri popular. As defesas recorreram ao Tribuna de Justiça do Rio Grande do Sul, que ainda não julgou o recurso. O processo principal, na esfera criminal, tramita na 1ª Vara Criminal de Santa Maria.
O incêndio
O incêndio completa quatro anos amanhã, 27/1, e ocorreu durante uma festa universitária, com show da banda Gurizada Fandangueira. Durante a apresentação, o grupo utilizou um tipo de fogo de artifício (conhecido como “chuva de prata”) que atingiu o teto da danceteria, dando início ao incêndio.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, as centelhas entraram em contato com a espuma altamente inflamável que revestia parcialmente paredes e teto do estabelecimento, principalmente junto ao palco, desencadeando o fogo e a emissão de gases tóxicos.
Processo principal
O processo principal tem 96 volumes e mais de 20 mil páginas. Os empresários Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da boate, e os músicos Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, integrantes da Banda Gurizada Fandangueira, respondem por 242 acusações de homicídio duplamente qualificado consumados e 636 acusações de tentativa de homicídio duplamente qualificado.
Ao longo desses quatro anos, mais de 200 depoimentos foram tomados – inclusive em Uruguaiana –, vítimas (114), testemunhas (68), peritos (18) e réus (4). No dia 27 de julho do ano passado, Ulysses Louzada pronunciou os réus.
Os réus ainda recorreram em 1ª instância, alegando omissão, contradição e ambiguidade na decisão. O pedido foi negado pelo magistrado, em 10 de agosto. Inconformadas, as defesas recorreram ao Tribunal de Justiça. O Recurso em Sentido Estrito foi protocolado no dia 30/11/16, junto à 1ª Câmara Criminal do TJRS, e será pautado em data ainda a ser definida.
Bombeiros
O ex-chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria, major Gerson da Rosa Pereira, foi condenado a seis meses de detenção pelo delito de fraude em documentos relacionados ao inquérito policial que apurou as causas do incêndio na Boate Kiss.
A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade e o réu pode apelar da sentença em liberdade. A decisão também é do juiz Ulysses Fonseca Louzada, datada de 27 de outubro de 2015.
A defesa do réu Gerson apelou (Embargos de Declaração) da sentença de 1° Grau ao TJ, postulando a substituição da pena de prestação de serviços comunitários por pena pecuniária. O pedido foi negado pela 4ª Câmara Criminal do TJRS, em 15 de dezembro do ano passado, que manteve a decisão de Ulysses Louzada.
A defesa também recorreu, através de Recurso em Sentido Estrito, questionando a decisão condenatória. Esse recurso será analisado pela 1ª Câmara Criminal, em data ainda a ser definida.
Já o bombeiro Renan Severo Berleze teve extinta sua punibilidade, em 27/10/15, ao cumprir com todas as condições da suspensão condicional do processo.
Falso testemunho
Há ainda outro processo criminal, contra Elton Cristiano Uroda e Volmir Astor Panzer, que respondem por falso testemunho. Em dezembro de 2014, houve um aditamento à denúncia, e outros nove acusados foram incluídos como réus: Angela Callegaro, Cintia Flôres Mutti, Marlene Teresinha Callegaro, Alexandre Silva da Costa, Eliseo Jorge Spohr, Elissandro Callegaro Spohr, Jackson Heitor Panzer, Mauro Londero Hoffmann e Tiago Flores Mutti.
Atualmente, o processo aguarda audiência de instrução, que está marcada para o dia 18 de abril.
Falsificação de documentos
Em dezembro de 2014, uma nova acusação foi encaminhada pelo Ministério Público, sobre a suspeita de falsificação de assinaturas e outros documentos para a abertura da boate Kiss. A denúncia é contra 34 pessoas e foi recebida pela Justiça no dia 30 de janeiro de 2015. Algumas aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo e outras não foram localizadas. O processo está em fase de instrução.
Ação Civil Pública
Há ainda uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra os bombeiros Alex da Rocha Camilo, Altair de Freitas Cunha, Daniel da Silva Adriano e Moiséis da Silva Fuchs. O processo tramita na 4ª Vara Cível de Santa Maria. Trata-se de Ação por Improbidade, pela qual os réus são acusados de utilização apenas de um programa de computador para o processamento de Licenciamentos em detrimento dos demais procedimentos previstos em lei para tal finalidade. O processo está aguardando audiência de instrução em data ainda a ser marcada.
Ação Coletiva
Em 10 de maio de 2013, a juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez, da 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública, atendeu, em parte, o pedido da Defensoria Pública do Estado, em sede liminar, determinando que Santo Entretenimento LTDA ME, Ângela Callegaro, Marlene Callegaro (irmã e mãe de Elissandro), Mauro Londero Hoffmann e Elissandro Callegaro Spohr solidariamente pagassem as verbas alimentares às pessoas a quem as vítimas fatais da tragédia os devia, bem como o pagamento de pensão correspondente à importância do trabalho àquelas vítimas que tiverem a sua capacidade laboral tolhida ou diminuída. A magistrada afastou a responsabilidade do Município de Santa Maria e do Estado do Rio Grande do Sul.
Os réus recorreram da decisão, que foi reformada pela 10ª Câmara Cível do TJRS. Os magistrados entenderam ser necessário, primeiro, apontar os sujeitos lesados, o que somente acontecerá na liquidação de sentença em 1º Grau.
A Defensoria Pública recorreu ao STJ, que manteve a posição do Tribunal. O recurso foi julgado na Segunda Turma no dia 11 de outubro de 2016. A decisão do STJ foi baixada no dia 16 de dezembro passado e será encaminhada para a Vara de origem do processo, em Santa Maria.
Indisponibilidade de bens
A Defensoria Pública do Estado também ajuizou Ação Cautelar de Indisponibilidade de Bens contra Eliseo Spohr (pai de Elissandro), EJS Participações e Assessoria Empresarial LTDA e Novaportal Comércio de Autopeças LTDA - GP Pneus, pretendendo o bloqueio de bens para garantia do pagamento das futuras indenizações às vítimas do incêndio. A liminar foi negada pela Juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez em 10 de maio de 2013. Em 26/ de setembro daquele ano, a Juíza deferiu a realização da prova pericial requerida pelos réus. A ação está em fase de levantamento pericial.
Há, ainda, dezenas de ações individuais, com pedidos de indenização a parentes de vítimas, que tramitam em Varas Cíveis e de Fazenda Pública na Comarca de Santa Maria.