Em 18 de maio de 1973 uma menina de oito anos foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada no Espírito Santo. Seu corpo foi encontrado dias depois, carbonizado. Os agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos. Em 2000, a data foi instituída como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Em alusão à data, o Poder Judiciário Gaúcho, juntamente com Ministério Público Federal, Polícia Federal, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública do Estado, Polícia Civil e OAB/RS, lançou a campanha ‘Abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes - O problema é nosso! Denuncie!’, na segunda-feira, 15/6. O ato ocorreu durante a abertura da 2ª Semana do Depoimento Especial, no Palácio da Justiça. Durante todo a semana, uma vasta programação está abordando a violência sexual contra menores em seus vários aspectos.
A titular da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude, juíza-corregedora Andréa Rezende Russo, que coordena a campanha, destacou a necessidade de promover ações que incentivem a denúncia dos casos às autoridades competentes. “Um dos motivos de criarmos a campanha é a constatação de que os casos não são sequer notificados. Queremos que toda a sociedade se envolva neste tema: famílias, profissionais que lidam com crianças e adolescentes e, principalmente, os educadores. A porta de entrada das suspeitas dos crimes sexuais contra os jovens é a escola”, ressaltou a magistrada.
A corregedora-geral da Justiça, desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, destacou a implantação da Lei do Depoimento Especial, metodologia nascida no Rio Grande do Sul e que prevê uma sistemática diferenciada para oitiva de crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais, e que, agora, passa a ser obrigatória no país. “A lei só ratifica o que já vínhamos nos dedicando. Somos também o primeiro tribunal a promover uma semana inteira relativa a esse evento”. Atualmente, o RS conta com 45 salas de Depoimento Especial, e a meta é instalar mais 41 até o final do ano.
Dados
Conforme levantamento da Corregedoria-Geral da Justiça, tramitam no Poder Judiciário 3 074 processos envolvendo crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes. Em Uruguaiana, de acordo com o delegado Enio Tassi, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), infelizmente o número de estupros de vulnerável é bastante alto. Somente neste ano, mais de dez novos casos foram registrados. Em nível de Brasil, em 2016 foram 77 mil relatos de violação dos direitos infanto-juvenis ao Disque 100, serviço nacional vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos. Destes, 15 707 tratava, de violência sexual.
Ambiente
Outro dado assustador diz respeito a relação entre vítima e abusador. “Na maioria dos casos, o agressor conhece a vítima. É um membro da família ou amigo próximo”, diz. Um levantamento da 7ª Câmara Criminal do TJ que analisou os processos de crimes sexuais contra crianças e adolescentes em tramitação concorda com o posicionamento. O estudo mostrou que, em 29% dos processos, o agressor era morador do mesmo bairro, colega, amigos de amigos, motorista de escolar, pastor, professor; em 15% são pessoas que mantiveram algum tipo de envolvimento mais próximo, ex-marido ou ex-namorado. Parentes completam a lista. Pais são responsáveis por 11% dos ataques, padrastos, 14%, tios, 7%, mães, 4%, avôs, 3% e irmãos 1%. Em 35% dos casos, vítima e agressor viviam no mesmo local. Foram analisados 277 processos.
Foco nas escolas
Saber identificar sinais de possíveis agressões é fundamental para dar um basta no ciclo de violência. Um dos focos da campanha é envolver as escolas, onde a temática pode ser trabalhada em sala de aula e junto à comunidade escolar. Isto porque, diante de um caso suspeito ou confirmado de abuso ou exploração sexual, os educadores devem dar o apoio inicial às vítimas e notificar às autoridades competentes.
O Advogado Carlos Kramer, da Comissão Especial da Criança e do Adolescente (CECA) da OAB/RS, destacou a importância de agentes multiplicadores da ideia: “Os danos causados pela pedofilia, estupro e prostituição são os piores para a subjugação e sequelas nefastas. Falta trocarmos as lentes e adotarmos na prática o princípio da prioridade absoluta deste tema.”
A Corregedora-Geral da Defensoria Pública do Estado, Adriana Chaves Barcellos, reforçou: “A defesa dos direitos das crianças e adolescentes é intransferível e inegociável. Reafirmamos o nosso comprometimento em discutir e em construir com a sociedade alternativas efetivas de proteção às nossas crianças.”
Denuncie!
O número de vítimas de violência sexual, apesar de assustador, talvez não chegue sequer a representar a realidade. De acordo com Tassi, uma parcela significativa de crimes desta natureza pode não estar chegando ao conhecimento da polícia. “Não temos como saber o percentual de crimes que não chegam até nós, mas sabemos que há um número bastante significativo infelizmente”, garante.
Neste contexto, uma das principais ‘armas’ da polícia é justamente as denúncias, que podem ser anônimas. “No último ano houve um aumento significativo de denúncias, o que nos possibilitou a investigação desses crimes e responsabilização dos agressores. Mas ainda há muitos casos não registrados, muitos crimes dessa natureza que ficam impune”, comenta.
Informações podem ser repassada à DPCA através do 3412 1127. A PC também dos telefones 0800 642 6400 e (51) 98418 7814 (WhatsApp e Telegram), além do Disque 100. É garantido sigilo absoluto ao denunciante.
Gabriela Barcellos
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