sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Justiça apura rombo de R$ 1,5 milhões no “asfalto tafetá” de Felice

A Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público ajuizou Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa contra o ex-mandatário de Uruguaiana, José Francisco Sanchotene Felice. A ação proposta pela promotora de Justiça Jocelaine Dutra Pains, aponta um rombo de aproximadamente R$ 1,5 milhões nas “obras de fino pavimento asfáltico” em centenas de ruas da cidade.
A não observação de critérios técnicos elementares como a compactação, encascalhamento e drenagem, provocou a deterioração das vias em curto espaço de tempo, resultando em desperdício do dinheiro público. Relatórios do Tribunal de Contas dos anos de 2007 e 2008 já apontavam a precariedade da obra e do projeto de Felice, que resultava em deficiências como: “fissuras em forma de malha, conhecida como “couro de crocodilo”, fissuras longitudinais, desagregação do pavimento, desnivelamento do mesmo, com ocorrência de depressões em virtude de bolsões de materiais moles situados no subleito, conhecidos como “borrachudos”, além da falta de drenagem pluvial em diversos locais, tudo em razão da inobservância das técnicas adequadas, comprometendo a qualidade e durabilidade da pavimentação asfáltica.”
Levantamentos fotográficos acostados ao processo comprovam, de forma incontestável, a veracidade das imputações atribuídas à Felice, que incluem a execução direta de parte das “obras”, e também a produção do asfalto pela usina adquirida pelo município, sem qualquer responsável técnico. Também em pelo menos três contratos celebrado por Felice, as especificações técnicas determinam apenas duas etapas de serviço, sendo a primeira a “pintura de ligação”, que consiste no preparo da superfície, com varrição e utilização de emulsão asfáltica, e a segunda na aplicação da camada de CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado Quente) na espessura média de 4 cm, diretamente sobre o terreno, em frontal desconformidade com a técnica tradicional, evidenciando o menosprezo de Felice aos princípios que norteiam as finanças públicas, demonstrando a ausência de razoabilidade e zelo no trato do dinheiro público.
A administração pública somente pode ser exercida em conformidade com a lei, sem favoritismos, perseguições e desmandos, e Sanchotene Felice infringiu a lei de improbidade administrativa que enumera exaustivamente, os seguintes requisitos obrigatórios na execução das obras e serviços públicos: Segurança; funcionalidade e adequação ao interesse público; economia na execução, conservação e operação; emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas locais na execução, conservação e operação, sem prejuízo da durabilidade da obra ou do serviço; adoção de normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas; e impacto ambiental.
Jocelaine sustenta que, ao realizar a pavimentação sem respeitar as normas técnicas adequadas de execução, lançando o revestimento asfáltico diretamente sobre o leito existente, Felice desrespeitou os requisitos de segurança e eficiência econômica previstos em lei, de observância obrigatória em qualquer obra ou serviço de natureza pública, resultando em incontáveis ondulações, rachaduras e buracos nas ruas, comprometendo a trafegabilidade e, em vez de oferecer uma solução eficaz à população, optou por gastar dinheiro público em um processo paliativo, inadequado e temporário, que não atendeu o interesse público, oferecendo um asfalto vulnerável e intrafegável que resultou na rápida deterioração das vias, onerando injustificadamente os cofres municipais em, no mínimo, R$ 1.471.694,00 correspondente ao somatório de três contratos firmados nos anos de 2007 e 2008, sem considerar os gastos com matéria-prima oriunda da usina de asfalto do município, nem a utilizada, posterior e futuramente, na tentativa de recuperação do revestimento imprestável executado e que será necessário até que sobrevenha uma solução eficiente para a pavimentação, e isso tudo sem contar com o dispêndio de mão-de-obra municipal que poderia estar alocada a outras atividades de interesse da população.
Por tudo isso, a Promotora pede o ressarcimento integral do dano causado ao erário municipal, acrescido de correção montearia e juros legais, a suspensão dos direitos políticos do improbo administrador, multa civil e ainda a proibição de, direta ou indiretamente, contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 5 anos.

A doutrina
O Ministério Público acusa Sanchotene Felice de infringir “os princípios da legalidade, eficiência e economicidade, além de, dolosa ou culposamente, causar dano ao erário municipal”, trazendo à luz ensinamentos do jurista Celso Bandeira de Melo que, em seu Curso de Direito Administrativo, obra do ano de 1995, sabidamente sustenta que: “Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema subversão aos seus valores fundamentais.”; e também o robusto trabalho do não menos notável jurista Hely Lopes Meirelles, para quem “A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”, que também afirma: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público ‘deve fazer assim’”.


O asfalto de verdade
Segundo a auditoria do TCE, os pavimentos asfálticos realizados segundo critérios de aceitabilidade são, de maneira geral, constituídos de cinco camadas:
I – revestimento asfáltico (CBUQ)
II – base
III – sub-base
IV – reforço do subleito
V – subleito
Revestimento asfáltico (CBUQ) é a camada superior, destinada a resistir diretamente às ações do tráfego, a impermeabilizar o pavimento, a melhorar as condições de rolamento no que tange ao conforto e a segurança, e a transmitir as ações às camadas inferiores. Se as camadas inferiores não existirem, ou não estiverem bem preparadas para resistir às ações dos veículos e transmiti-las ao subleito (terreno), ocorrem as “patologias” que aconteceram no revestimento promovido por Felice.

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