terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Desacato a autoridade: STJ reconhece que autoridades não tem preponderância sobre indivíduos

Gabriela Barcellos
Desacato a autoridade não pode ser considerado crime. A decisão foi tomada na quinta-feira, 15/12, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com os ministros, porque contraria leis internacionais de direitos humanos. Pelo Código Penal, em seu artigo 331, é crime “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”. A pena prevista é seis meses a dois anos de detenção ou multa.
A decisão foi unanime e teve origem em um recurso especial da Defensoria Pública contra a condenação de um homem a mais de cinco anos de prisão por roubar uma garrafa de conhaque, desacatar os policiais militares e resistir à prisão. O fato ocorreu em São Paulo e a condenação é do Tribunal de Justiça daquele estado. No caso, os ministros anularam a condenação por desacato. O posicionamento ressaltou que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm natureza supralegal. Para a turma, a condenação por desacato, baseada em lei federal, é incompatível com o tratado do qual o Brasil é signatário.
Relatório
O relator do caso foi o ministro Ribeiro Dantas. De acordo com ele, “não há dúvida de que a criminalização do desacato está na contramão do humanismo porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”. Em seu relatório, Dantas também enfatizou que “A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição Federal de 88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos”. Conforme ele, a tipificação é incompatível com o Artigo 13 da Convenção (Pacto de São José da Costa Rica). “A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário”.
Por fim, ele observou que a descriminalização da conduta não significa que qualquer pessoa tenha liberdade para agredir verbalmente agentes públicos. “O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva, utilizada perante o funcionário público”, disse.
Precedentes
A decisão não é inédita. Também em controle de convencionalidade, o juiz Alexandre Morais da Rosa, da 4ª Vara Criminal de Florianópolis, absolveu um homem denunciado por desacato e resistência à prisão após uma briga.
O magistrado também levou em conta a prevalência do Pacto de San José da Costa Rica em relação ao Código Penal. “Cumpre ao julgador afastar a aplicação de normas jurídicas de caráter legal que contrariem tratados internacionais versando sobre Direitos Humanos”, registrou.
Para ele, o Direito Penal deve cuidar apenas das situações que violam bem jurídicos fundamentais, que não possam ser protegidas por outro ramo do Direito. Não é o caso, citou, da crítica dirigida à autoridade, ainda que indecorosa.

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